Cara, tenho acompanhado suas reflexões e digo que sinto até certa inveja da consciência e objetividade com que você aparenta fazê-las.
Se me permite, quero compartilhar com você a seguinte oração, famosa em grupos de apoio e recuperação, no caso, centrados na noção da existência de Deus. Talvez você até conheça:
“Oração da serenidade - Deus, conceda-me a serenidade para aceitar as coisas que não posso mudar, a coragem para mudar as coisas que posso e a sabedoria para discernir uma da outra.
Vivendo um dia de cada vez, apreciando um momento de cada vez, recebendo as dificuldades como um caminho para a paz e, como Jesus, aceitando as circunstâncias do mundo como realmente são, e não como gostaria que fossem.
Confiando que o Senhor tudo fará se eu me entregar à Sua vontade; pois assim poderei ser razoavelmente feliz nesta vida e supremamente feliz ao seu lado na eternidade. Amém.”
Como se percebe, ela é concisa, porém, não existem palavras lançadas a esmo em sua conteúdo, e cada uma delas assume profundidade quase inalcançável.
No entanto, se atente à palavra que destaquei. Dentre todas, é ela a que me chama mais a atenção, pois implica que ainda que eu tenha entregado o cuidado de minha vida a Deus, segundo creio, criador do Universo, ser Eterno que se identifica profunda e simplesmente como o “Eu Sou”, e, portanto, de conhecimento e poder inesgotáveis e insondáveis, não posso esperar mais do que ser “razoavelmente” feliz nesta vida.
Assim é, porque enquanto aqui estiver, estarei sob o efeito de minhas fraquezas, ainda que por elas não dominado, sempre influenciado e necessitando resisitir, o que se dá, também segundo minha crença, como resultado do pecado, não só como um comportamento específico, mas enquanto fenômeno incidente sobre mim e toda a criação.
Escrevo isso no intuito de mostrar que mesmo as pessoas que acreditam viver sob a guarda deste Deus onipotente, não esperam viver mais do que razoavelmente felizes nesta vida, o que, apesar de longe de ser pouco, não é nem de perto a perfeição que alguns tentam vender (e alguns, mais especificamente, literalmente) e muitos aparentam comprar, agora não só no âmbito do cristianismo, mas de toda e qualquer ideologia ou filosofia que o homem tente conceber, cada uma apontando para um ideal próprio e que, invariavelmente, é esfregado em nossas caras como já alcançado por uns e outros (religião, política, academia -fisica ou intectual, enfim, grupos e redes sociais quaisquer).
Embora, tenho certeza, sejamos conscientes a respeito da falácia destas reproduções, especialmente em tempos de redes sociais em que isso se faz manifesto, é muito fácil que eu, pelo menos, o esqueça e me veja sob a cobrança de não alcançá-las como tais.
Sendo assim, me cumpre, então, relembrar das palavras dessa oração e da consequente consciência de que, ainda que eu não consiga alcançar padrões ideias ou me libertar de todas as minhas fraquezas, posso enxergar em tudo isso um caminho para a paz, na medida em que eu entregue esse caminho a Deus, pois assim essas inconsistências todas estarão sob o império dEle, para consecução de sua vontade, que não se faz surpreendida ante qualquer circunstância.
A Bíblia narra uma oportunidade em que Jesus Cristo caminhava com seus discípulos e eles se depararam com um homem cego que clamava desesperadamante pela atenção dEle, já sabedor dos milagres que dizia o povo ser Ele capaz de operar. Parando todos para atendê-lo, os discípulos indagaram a Jesus quem havia pecado para que ele manifestasse tal grau de deficiência, o cego mesmo ou seus pais, considerando uma crença neste sentido existente à época, de que as inconsistências do ser eram consequência de um pecado específico, senão do próprio, de um ascendente.
Então, Jesus respondeu aos discípulos que ninguém havia pecado, não naqueles termos especificos, para que ele assim estivesse, mas que assim ele estava para que dessa forma a glória de Deus se manifestasse nele. Na oportunidade, aquele homem cego teve seus pecados perdoados por Jesus Cristo, que mais a frente para isso entregaria a si mesmo voluntariamente numa cruz, e foi curado de sua deficiência.
Esses (em meu sentir) fatos e crenças, revelam então que as minhas deficiências (não os meus pecados), não devem ser encaradas como motivos a se lamentar meramente, mas como oportunidade para manifestar a glória de Deus na medida em que, apesar delas, eu O busque, para que em vez de me permitir ser por aquelas reinado, assim o seja pela direção de minha vida por Ele através delas ou sobre elas, conforme seja Sua vontade de mim removê-las ou não, parcial ou totalmente.
Digo isso porque fui levado a essa reflexão por provocação de outra pessoa, pois, até então, nunca tinha sido capaz de enxergar minhas deficiências como comparáveis à cegueira daquele homem que clamava pela atenção de Jesus Cristo, e, portanto, suscetível à conclusão por Ele explicada, o que me levava a me ver como alguém simplesmente incapaz de honrar a Deus pela minha simples vivência, ante as fraquezas a ela ínsitas e que precisariam, portanto, necessariamente serem estirpadas por completo segundo minha visão deturpada (friso novamente, não falo do pecado, que, sim, precisa ser extirpado e por mim, sozinho, não poderia sê-lo).
Desde então, passei a encarar (ou ao menos tentar) essas deficiências ou limitações de forma diversa, no sentido de que, não sabendo se algum dia delas serei liberto ou não, se a elas algum dia superarei ou não, com elas ou sem elas, me esforçarei para viver da melhor forma possível, com gratidão pelo favor de Deus e guarda de Sua vontade, me mantendo tão aberto quanto possível às experiências que me puderem ser proporcionadas na caminhada, tentando não permitir que o olhar para essas deficiências me impeçam de experimentar qualquer benção ou dádiva, simples ou especial, que nesse caminho surgir.
Trazendo o assunto para algo mais concreto, também tenho minhas questões quanto a relacionamentos com mulheres, sou absolutamente inexperiente no mínimo contato que você puder imaginar, mal conseguindo com elas conversar, ainda que despretensiosamente. Como já disse por aqui, tenho ansiedade social.
Olhar para essas circunstâncias deficientes com desesperança e um impeditivo cabal à construção de qualquer tipo de relação, tem me feito nada além de isso de fato não conseguir realizar, então, a partir dessa transformação de visão que comentei, apesar de ainda sofrer todos os efeitos da dita ansiedade e não saber se com o tempo e a tentativa de a tratar eles serão sequer atenuados, vou adiante me manter simplesmente o mais aberto possível às possbilidiades, enquanto tento, dentre outras coisas, me questionar sobre a real pertinência e necessidade de certos padrões e exigências que sob qualquer aspecto tenha até aqui formulado.
Não sei exatamente como você vê minha crença, mas tenho certeza que ainda que dela não compartilhe ou venha compartilhar, poderá tecer novas reflexões a partir do fato que citei: nem mesmo as pessoas que se acreditam governadas por um ser de insondável poder, Deus, podem esperar que seus sonhos, planos e vida sempre, ou com frequência, se sucedam, e, nunca, ou com raridade, fraquessem, a despeito do que sempre terão motivos ou, é certo, Motivo, para seguir em frente.
Por isso, fica aqui a torcida sincera para que você se mantenha firme e segundo a consciência de que “é preciso aceitar a possibilidade de que essas coisas realmente podem acontecer” e, se me permitir acrescentar, ainda que não aconteçam, motivos outros existirão para caminhar.
Preciso me lembrar disso todos os dias.
Me desculpe por invadir seu diário e, se quiser, posso excluir o post depois que você vê-lo (ou mesmo antes). Abç!